ROMANCE HISTÓRICO,
paródia E CONDIÇÃO NACIONAL
ESTUDO SOBRE A FICÇÃO DE ANA
MIRANDA
Eunice de Morais (UEPG)
Na segunda metade do século XIX, o
sucesso de mercado e o prestígio estético conquistado pelo romance histórico
entram em decadência e, no início do século XX torna-se déclassé.
Seguindo as reflexões apresentadas por P. Anderson[1] e F.
Jameson a respeito do assunto, entendemos que a variante modernista para o tipo
de romance histórico teorizado por Lukács torna-se impossível, devido à ressaca
em relação ao melodrama deixada pela Guerra de 1914 e ao efeito crítico do
Modernismo que privilegia a percepção imediata. De acordo com Anderson, a
ressurreição do romance histórico dá-se com a publicação de Memórias de Adriano
(1951), de Margarite de Youcenar, e com a eleição de O leopardo (1963), de
Lampedusa, como melhor romance histórico do século XX. Esta ressurreição foi
também uma mutação e anuncia a chegada do pós-modernismo em que “a mudança
singular mais notável operada na ficção histórica foi a sua reorganização geral
em torno do passado.” [2]
Linda Hutcheon, já em 1991, aprofundava esta questão observando que a recuperação do passado no
pós-modernismo
Confronta o passado com o
presente, e vice-versa. Numa reação direta contra a tendência de nossa época no
sentido de valorizar apenas o novo e a novidade, ele nos faz voltar a um
passado repensado, para verificar o que tem valor nessa experiência passada. Se
é que ali existe mesmo algo de valor. Mas a crítica de sua ironia é uma faca de
dois gumes: o passado e o presente são julgados um à luz do outro. [3]
Parece-nos que tanto P.
Anderson quanto Linda Hutcheon descartam o caráter nostálgico da ficção
histórica da pós-modernidade apontado por Jameson, embora concordem com o mesmo
quanto ao fato de que a verdade deixou de ser “abordada pela via da verificação
e da verossimilhança, para privilegiar o poder imaginativo do falso e do
fictício, da mentira e do engodo fantásticos” [4].
Segundo Jameson, a versão pós-moderna do romance histórico não envolveria a
dúvida, mas a multiplicidade de versões fantásticas e autocontraditórias da
história, não sendo suficientes para configurar uma forma histórica, como o
romance histórico, em que “as grandes dimensões do tempo histórico e do tempo
existencial podem se conectar com os dois fios que, postos em contato, voltam a
acionar o motor desse gênero.” [5] Considerando o posicionamento teórico de Perry Anderson e de
Linda Hutcheon a respeito do caráter renovador da ficção histórica pós-moderna,
denominada por Hutcheon de "Metaficção historiográfica" (um quarto
modo de narrar), ao apropriar-se de fragmentos da história, desenvolvemos a seguir análises que apontam para uma
atualização de discursos de nação[6] através de recursos
estéticos como a paródia e estilísticos como a ironia.
A paródia é, conforme Hutcheon, um
dos modos maiores da construção formal e temática de textos no século XX, devido
à proposta de auto-reflexividade formal, que oferece ao artista um lugar onde
possa falar para e a partir de um determinado discurso, mas sem recuperá-lo
totalmente. [7]
Considerando a produção de romances históricos no Brasil, poderíamos dizer que
tem se estendido ao século XXI. A paródia, definida pela pesquisadora como
“imitação caracterizada por uma inversão irônica que nem sempre se dá às custas
do texto parodiado” ou como “repetição com distância crítica, que marca a
diferença em vez da semelhança” [8],
quando se utiliza de estratégia irônica, pode apresentar o sentido de
contestação aos sistemas narrativos centralizados, totalizados, hierarquizados
e fechados, porém sem aspirar à sua destruição. [9]
Recorrer à paródia e à ironia, nesse sentido, traz como consequência a
construção de romances que apresentam tanto o revival de discursos de nação, ou da ausência deles, quanto
questionamentos sobre a instituição destes discursos.
Como modo de apropriação textual, a
paródia pode atuar no âmbito de vasta gama de dimensões textuais. Segundo
Hutcheon, tem havido paródias
ao estilo de um período ou movimento, bem como a
um artista específico, onde encontramos paródias a obras individuais ou a
partes delas, ou aos modos estéticos característicos de toda a oeuvre desse artista. As suas dimensões
físicas podem ser tão vastas como o Ulisses,
de Joyce, ou tão pequenas com a alteração de uma letra ou palavra de um texto. [10]
Nos
romances de Ana Miranda, observamos que há variações na dimensão da paródia.
Fica-nos clara a apropriação dos estilos literários de cada poeta, tornando
cada romance a expressão de um trabalho que privilegia a linguagem como
elemento incorporador ou tradutor de um espírito de época. É a partir e através
deste trabalho com a linguagem que se institui nos romances o traço estilístico
de cada poeta biografado e a ambientação cronotópica. O empréstimo paródico
assinala, nas narrativas, a intersecção da criação e da recriação, da invenção
e da crítica. As narrativas transitam entre estilos e ambientes do passado
histórico-literário brasileiro e, de dentro deles, propõem uma visão renovada.
Uma das principais paródias presentes
nos romances em foco dá-se em relação ao gênero biográfico. Apesar de
constituírem-se sobre o tema biográfico, os romances corrompem a estrutura do
gênero quando apresentam um recorte específico da vida e da obra dos poetas,
compondo uma trajetória de vida por estilhaços, fragmentos documentais que
flutuam na fronteira de um encontro entre a ficção e a história. Vozes de
expressão nacional, estes poetas são, eles mesmos, estilhaços da história da
nação brasileira sobre a qual perdemos a crença do domínio absoluto e mesmo da
necessidade desse domínio. É Lyotard quem denuncia o declínio dos grandes
relatos:
Na sociedade e cultura
contemporânea, sociedade pós-industrial, cultura pós-moderna a questão da
legitimidade do saber coloca-se em outros termos: o grande relato perdeu sua
credibilidade seja qual for o modo de unificação que lhe é conferido. [11]
Assim, o texto pós-modernista busca
valorizar a fragmentação, a heterogeneidade, às margens do conhecimento. O
passado de glórias e de grandes batalhas pela emancipação do país é substituído
pela batalha individual dos poetas que, como a flor que rasga o asfalto e se
impõe ao meio, vêm marcar um tempo e um espaço na literatura brasileira. Assim,
ao invés de citar poemas ou fragmentos de poemas relacionados a
características, temática ou episódios da vida dos poetas, os romances
incorporam estes fragmentos a cenas e vozes da narrativa. O deslocamento dos
versos para a narrativa propõe uma resignificação dos poemas apropriados, os
quais, em geral, são utilizados nos textos biográficos como resultantes de
conflitos pessoais, políticos ou amorosos dos poetas. O caráter paródico das
apropriações textuais se efetiva pela mudança de função que estes fragmentos
exerciam no texto parodiado. O que era matéria para justificativa, exemplo,
explicação, comprovação de fatos e temáticas nas biografias, passa a funcionar
como recurso de ambientação, posicionamento ideológico e mesmo como fonte
informativa, nos romances.
A paródia é, portanto, um modo de
colocação estética em primeiro plano nestes romances históricos, pois “define
uma forma particular de consciência histórica, por meio da qual a forma é
criada para se interrogar face a precedentes significantes; é um modo sério” [12]. De
acordo com Hutcheon, é esta consciência histórica da paródia que lhe dá o
potencial para, simultaneamente, enterrar os mortos, por assim dizer, e também
para lhes dar nova vida.
Deste modo, Gregório de Matos,
Augusto dos Anjos e Gonçalves Dias são apropriados enquanto construção textual
historiográfica e literária. Lembramos, aqui, a dessemiotização pós-moderna do
discurso ficcional discutida pelo professor Rogério Lima, ao considerar a
construção do romance Memorial do fim: a
morte de Machado de Assis (1981), de Haroldo Maranhão[13]. Os
romances de Ana Miranda, de modo semelhante, são construídos a partir de signos
cristalizados na historiografia e na literatura. A transcontextualização
discursiva permite a recodificação irônica, marcando a paródia como duplicação
textual – que unifica e reconcilia – e também como diferenciação – que coloca em
primeiro plano a oposição irreconciliável entre textos e entre texto e ‘mundo’.
[14]
Sobre o aspecto “mundano” da paródia,
Linda Hutcheon afirma que ela faz uma conexão com o mundo em pelo menos dois
níveis: o da relação da paródia com a sátira e o da necessidade de considerar
todo o ato enunciativo em qualquer observação da paródia. É preciso, no
entanto, separar a paródia e a sátira, pois ambas são mundanas, no sentido de
que conduzem o mundo à arte. No entanto, podem ser diferenciadas por seus alvos
e afinidades diversas com a ironia, tropo retórico comum a ambas. A sátira
paródica possui objetivo mais extramural – quer mudar a sociedade e possui,
portanto, um ethos negativo forte –
enquanto que a paródia satírica possui objetivo intramural – pretende questionar
convenções e discursos. [15] Em
síntese, a sátira é uma lição, a paródia é um jogo e, neste jogo, o texto
parodiado possui autoridade e valor de troca em relação às normas literárias.
Esta bidirecionalidade da legitimidade da paródia, segundo Hutcheon, dá-se por
seu status ideológico paradoxal, em que pressupõe autoridade e transgressão,
repetição com diferença.
Nos romances em análise, este traço
paradoxal da paródia aparece em diversos planos, desde a relação entre a
afirmação do caráter ficcional das obras, anunciado nas capas e folhas de
rosto, e as referências e notas explicativas sobre a pesquisa historiográfica,
sugerindo a justaposição de gêneros como a ficção e a história; até o
deslocamento de trechos de poemas para o plano narrativo, incorporados a novos
contextos, ampliando ou reduzindo sentidos; e na própria refiguração dos
estilos literários.
Entre os planos de realização da
paródia irônica nos interessa observar, de modo mais atento, a refiguração da
condição nacional em cada romance. A existência ou não de um projeto
nacionalista e o modo de atuação dos poetas no âmbito político e literário do
país parecem ser definitivos em seus projetos literários, bem como no processo
de formação do Estado e da literatura nacional. A paródia, neste sentido, é o
recurso que possibilita questionar discursos através e a partir daquilo que os
constitui, a linguagem.
Partimos, portanto, da idéia de que
os romances históricos Boca do inferno (1989), A última quimera (1995) e Dias e dias (2002) são construções paródicas: sobreposição
de um texto apropriado, parodiado, (da historiografia e/ou da literatura) e o
texto paródico; tendo a ironia como estratégia semântica para a composição do
plano da significação dos romances, em que ocorre a justaposição de sentidos,
do dito e do não dito. Entendemos, assim, que a apropriação textual apresentada
nos romances tanto homenageiam quanto discutem e questionam discursos de nação
ou a sua ausência, que serviram a projetos literários do passado. Estes discursos
revelam o Brasil barroco, romântico e modernista como “comunidades imaginadas”,
de modo que a condição nacional do passado constitua uma face paralela e
integrante da condição nacional do presente. Embora não possamos visualizá-las
ao mesmo tempo, é da visão alternada destas variantes da condição nacional que
se constitui um outro discurso de nação que não exclui ou nega os discursos
anteriores. Nisso constitui-se o irônico que, repetimos, acontece através e a
partir da interpretação do leitor.
1.1 Boca do
Inferno: desconserto nativista
O caráter
paródico do romance Boca do Inferno se dá pela utilização do discurso
histórico como fonte de investigação para o questionamento de seu próprio
estatuto de verdade, sua autoridade e seu processo de construção. Assim, a
história como fonte de pesquisa fornece à narrativa do romance dois focos
marginais, que ganharão a função de centro como forma de ataque à centralização
proposta pela narrativa canonizadora da história. Estes dois focos sintetizam o
caráter biográfico e histórico do romance, apresentando a vida de um poeta
desregrado, porém visto como ser essencial do espírito da época colonial, a
partir de um fato histórico, o crime, lembrado por narrativas biográficas mais
como tempero picante do que como fato realmente importante para a história ou
para a formação/posição ideológica ou política do poeta. No entanto, na
narrativa ficcional, este episódio
histórico amarrado à vida e à obra do poeta barroco constitui um marco no
processo de transformações políticas e literárias importantes para a formação
cultural e identitária no Brasil.
Pedro
Calmon, narra a “estrondosa morte do alcaide-mor” de modo bastante sintético,
porém com alguns detalhes importantes e intitula o desfecho como “O crime”. É
notório que o historiador dá importância à exatidão temporal dos fatos,
enquanto que a ficcionalização deste fato privilegia a descrição do espaço e da
visualização da cena.
Às 10 horas da manhã de 4 de
junho de 1863, oito mascarados surpreenderam Francisco Tele na rua do colégio.
Ia na serpentina, aos ombros de dois pretos. A tiro, derrubaram os
condutores; impediram o alcaide de saltar da rede desembainhando a espada; e um
deles, arrancando a máscara (o tenente Antônio de Brito de Castro), bradou: Matá-lo-ei de frente e com meu pulso, como
cavaleiro. E vibrou-lhe o golpe mortal.
Deixaram-no agonizar e
fugiram para o Colégio dos padres. [16]
Vejamos
como se dá a apropriação paródica no romance, que não apresenta a data, nem o
horário do acontecimento. Sabemos apenas que é pela manhã:
Tensos, alertas, com os
capuzes em torno da cabeça e as armas empunhadas, os oito homens se emboscaram
nos desvãos da rua de Trás da Sé. Dois a dois, aguardaram.
A mudança do local do crime é ficcionalmente importante,
pois sugere que os assassinos se escondiam atrás da igreja, indicando,
simbolicamente, a posição intermediária, mas não isenta, dos jesuítas na
empreitada. No entanto, trata-se do mesmo local, pois a catedral da Sé, na
Bahia, localizava-se na mesma rua do Colégio. A narrativa do romance segue
acrescentando a presença de um molecote a auxiliar os conspiradores, chamando a
atenção do alcaide e fazendo-o abrir as cortinas da liteira para ouvir o brado
dos encapuzados:
‘Morte ao alcaide-mor
Francisco Teles de Meneses, áulico lambe-cu do Braço de Prata’. Gritou um dos
homens da emboscada. Os olhos do alcaide-mor cintilaram ao ver os encapuzados
cercando a liteira. Fechou as cortinas, nervoso. Os escravos mal tiveram tempo
de se defender, atingidos por tiros de bacamarte caíram ao chão. [17]
[...] Um dos homens retirou
o capuz. O alcaide empalideceu ao reconhecer Antonio de Brito, o inimigo que
havia pouco tempo tentara matar. Por um momento tudo pareceu parar. Os homens
ficaram estáticos como imagens de pedra.
[...] O alcaide-mor meteu a
mão na cintura, tirou a garrucha e atirou em Brito, acertando-o no ombro. Um
conspirador, com um golpe de Alfanje, decepou a mão direita do alcaide. [18]
A partir
daí a narrativa do romance acrescenta nova tentativa de reação do alcaide, mas
“Antonio de Brito foi mais rápido, cortando fundamente a garganta de Teles de
Menezes com seu gadanho” [19].
Apesar do golpe final no peito o alcaide encontra forças para dizer: “O Braço
de Prata vai me vingar”. O grupo foge em direção ao Colégio dos jesuítas,
levando a mão decepada.
A morte do
alcaide para a biografia do poeta significa o início das perseguições políticas
e da decadência financeira, mas para a Cidade da Bahia e para a colônia
significava a desestabilização do poder instituído pelo governador e seus
comparsas que, na visão de Gregório de Matos, Antonio Vieira e Gonçalo Ravasco,
impediam os avanços políticos, culturais e econômicos da colônia. Como consequência
do crime, observamos que o início do romance marca o estado de decadência
cultural, moral, política e ética da Cidade e o poeta acompanhando-a pela
janela, mas à medida que a narrativa avança e as perseguições se fortalecem, o
poeta decaído, após o exílio, passa a perambular pela cidade. Ele, de
observador passa a andarilho e a cidade andrajosa tem, enfim uma manhã luminosa
com brisa fresca que traz a notícia da destituição de Antonio de Souza do cargo
de governador da Bahia e a restituição de Gonçalo Ravasco ao cargo de
secretário de Estado e da Guerra. Aparentemente, restitui-se a ordem.
O romance
que apresentamos como construção paródica vem questionar também as categorias
de gênero, pois se assemelha tanto à narrativa biográfica quanto à narrativa histórica,
mas esta semelhança se dá no nível da diferença, já que insere estas narrativas
no mundo da ficcionalidade, onde a objetividade, a finalidade e a autoridade
narrativa são contestadas, mas não destruídas, pois o questionamento que se faz
sobre a autoridade e a objetividade do discurso histórico depende da existência
deste discurso que lhe serve de instrumento. É preciso, portanto, que o romance
apresente o discurso da história para, então, subvertê-lo e esta subversão deve
geralmente ocorrer no âmbito ficcional. É dando voz aos personagens históricos,
como testemunhos de um outro ponto de vista possível sobre a história, que o
romance põe em discussão a autoridade do discurso histórico. Este outro ponto
de vista cria um novo centro narrativo que era antes visto como periférico, não
por ser um acontecimento menos importante, mas porque um outro ponto de vista
havia sido eleito como verdade histórica hierarquicamente superior, de acordo
com interesses ideológicos difundidos em tempos, espaços e culturas diferentes.
Gregório de Matos, no romance, é
expressão tanto do colonizador, por formação, quanto do colonizado, pela
experiência vivida. É neste sentido que o poeta é um ex-cêntrico que se
identifica “com o centro ao qual aspira, mas que lhe é negado” [20]. Ou
seja, o poeta se identifica com o poder maior que está na Europa e, por sua
formação intelectual europeizada, aspira a este poder que, no entanto, lhe é
negado e só será concedido oficialmente no século XIX, quando interesses
históricos e literários permitirem. [21] Segundo
o historiador Pedro Calmon, em 1713 o poeta Tomaz Pinto Brandão foi o primeiro
a lembrar Gregório de Matos, imitando-lhe o estilo e mais tarde Nuno Marques
Pereira, na segunda parte d’O Peregrino
da América, cita-o na relação dos poetas da cidade ao lado de Eusébio de
Matos. Porém, não o mencionou Rocha Pita na História da América Portuguesa por
motivos assumidos pelo historiador do século XVIII: “não lhe perdoaria a rima
de mim...”. A narrativa de Calmon deixa claro que, apesar da poesia de Gregório
de Matos não ter, no século XVIII, subido “a dignidade dos prelos, caíra no
luxo das livrarias, delas saltando para a tradição popular”[22].
A visão pessimista
em relação ao futuro da Cidade da Bahia e a imagem pejorativa que o poeta
constrói são antes fruto do desejo de edificação de uma imagem moral da cidade.
É presente o desejo do poeta de que, através da crítica, ocorram mudanças,
ainda que estas mudanças se dêem no sentido de uma aproximação aos costumes e
crenças européias. Não há intenção meramente destrutiva, no sentido de que a
Cidade da Bahia não represente nada (em termos de identidade) nem para o poeta,
nem para o Brasil, por ver-se dominada pelas leis ou, ao contrário, por não se
deixar dominar totalmente pela cultura de Portugal. Ou seja, o próprio
posicionamento do poeta em relação à Cidade da Bahia é paradoxal, pois ao
criticar as atitudes da população ele, ao mesmo tempo, critica a exploração
mercantilista feita por Portugal [23].
Ao mostrar como os vícios aqui se tornam virtudes, comprova a ausência do
domínio português no que diz respeito aos aspectos culturais em formação. O que
valia como virtude na Europa, nem sempre era possível ser conservado numa terra
que os olhos do rei alcançavam apenas através de cartas.
Apesar de
ter formação intelectual aos moldes portugueses, Gregório de Matos reconhece a
brasilidade, portanto, pelos vícios vistos como virtudes. Considerando que uma
não-identidade é também uma forma de identidade, ou seja, o fato de não se
identificar totalmente com o “espírito humano” [24]
europeu abre a possibilidade de formação de um novo espírito não menos humano
que o imposto pelo colonizador e durante muito tempo aceito pelo colonizado.
Assim, a formação intelectual e o ativismo político e social de Gregório de Matos
o fazem oscilar, num movimento pendular, entre duas identidades e duas
culturas: a colonial e a do europeu e, assim, pé lá e pé cá é que ele melhor
representa este espírito multicultural que é o ser brasileiro.
No romance Boca
do Inferno este movimento pendular se concretiza em atos e palavras, pois o
poeta está dividido entre uma figura que observa a cidade através de uma janela
e a descreve e outra que é parte desta cidade circulando por seus becos,
prostíbulos, palácios e igrejas. Esta duplicidade de Gregório de Matos é
refiguração paródica daquela apresentada estilisticamente em sua obra poética e
possibilita a construção do personagem em sua complexidade humana,
característica do espírito barroco que se instalava no Brasil, adequando-se ao
contexto de imposições de valores europeus e à cultura brasileira que se
formava.
Na
narrativa, as apropriações de trechos dos poemas de Gregório de Matos
constituem uma espécie de metonímia, em que não se desconsidera o todo dos
textos, mas também não o apresenta. Se na biografia de Pedro Calmon, a qual
tomamos como exemplo, os poemas são ilustrativos do estilo e do posicionamento
ideológico do poeta, incorporados à narrativa romanesca eles adquirem estatuto
pragmático, mundano, tornam-se fala, descrição de espaços, impregnando a
narrativa com o estilo do poeta. Os versos de Gregório de Matos são o próprio
poeta desfeito em linguagem.
Assim, o
nativismo de Gregório de Matos ou o seu sentimento de pertencimento à colônia
está, no romance de Ana Miranda, inscrito pela relação ser, espaço e tempo,
sendo o espaço cultural territorializado elemento definidor do ser nacional em
processo de formação. Apropriações de poemas que descrevem criticamente a
Cidade da Bahia revelam este ponto de vista. Deste modo, quando no romance
encontramos:
‘Esta cidade acabou-se’,
pensou Gregório de Matos, olhando pela janela do sobrado no terreiro de Jesus.
‘Não é mais a Bahia. Antigamente havia muito respeito. Hoje, até dentro da
praça, nas barbas da infantaria, nas bochechas dos granachas, na frente da
forca fazem assaltos à vista’. [25]
O leitor que conhece a
obra do poeta se lembrará do poema “A huma cobra qu [sic] se dezia andava no
boqueirão de Sancto Antonio do Carmo”. Citamos o poema para que se possa
observar diferenças e semelhanças.
Acabouçe
esta cidade
senhor, jâ
não he Bahya,
jâ não ha
temor de Deus,
nem del Rey,
nem da Justiça.
Lembrame que
ha poucos annos,
inda não hâ
muytos dias,
que para qualquer
função
de hum
crime, prizão se via,
Hião por ese certam
ao centro da Jacobina
prender algum matador
inda que foçe a espadilha.
E hoje
dentro na prassa,
nos barbas
da Infantaria,
nas boxexas
dos granaxas.
com pote, e
forca a vista
Que esteja hum surucucû,
com soberanna ouzadia,
feita parca das ydades,
cortando ao pos âs vidas?
Com tantas mortes as costas
que não haja huma rifa,
de paos, que ao tâl matador
lhe ponha o basto em sima
He muyto barbaro rigor
o desta cobra atrevida,
que esteja na estrada publica
fazendo
asaltos a vista
Onde estâ Gaspar Soares
que não vay â espora fita
Ainda sujeito a revisão
no lazão lansarlhe a garra,
e mettella na enxovia
Se está no mato emboscada
no seu mocambo metida,
mandemlhe hum terço ligeiro
de Infantes de Henrique Dias.
Se dizem que estâ na peça,
sem lhe fogo â culimbrina,
jâ quye faz peças tam caras
custelhe esta peça a vida.
Vem quatro, ou seis Artelheyros
cavalgarlhe a Artelharia,
por que sendo noyte, dâ
fogo, â toda a couza viva
Tira com ballas heruadas,
A que não hâ medissina
porque a trâs sempre na boca,
com veneno, e sallina.
E o cazo he mostruzidade,
porem não hê maravilha,
que haja cobras, e largartos,
entre tanta sevandija
Sô digo que he boa pessa,
por que na pessa escondida
vêlla na pessa de noyte,
dorme na pessa de dia.
O recorte e
as alterações da forma, do conteúdo e do contexto marcam a diferença textual na
apropriação, mas a intenção de descrever o estado de decadência da cidade
permanece. Na narrativa, os versos sugerem ainda o que está por vir: o
assassinato do alcaide. Notamos que o descontentamento do poeta em relação à
situação da cidade dá-se devido às mudanças políticas, com as quais ele não
concorda. No poema, há o tom de denúncia do matador autorizado pelo poder
público que no romance entendemos tratar-se do alcaide-mor. A frase
“antigamente havia muito respeito” sintetiza a idéia de que já não há justiça
na cidade. Assim como a “surucucu com soberana ousadia” que está “na estrada
pública fazendo assaltos a vista”, no romance estão também os encapuzados prontos
para a vingança escondidos atrás da igreja. A falta dos detalhes narrados no
poema propõe, na narrativa ficcional, um outro sentido ao pensamento de
Gregório de Matos, mas sem destituir o sentido dado pelo poema. O que era
denúncia de abusos do poder passa a ser também anúncio da desordem geral.
O
empréstimo do texto do poeta gera uma alternância de sentidos na medida em que
o leitor identifica o poema, mas não encontra o todo significativo. Entre o
sentido de denúncia e o de anunciação há uma diferença de amplitude que vai do
particular para o geral. Do mesmo modo, o romance não é apenas uma narrativa
sobre a vida do poeta e sua literatura, mas também sobre a vida na colônia,
sobre a formação da identidade nacional brasileira.
As
reflexões sobre a influência do escritor do Barroco espanhol Gongora y Argote
parecem marcadas por um sentimento de inveja do seu cultismo. Gregório de Matos
que transitou entre os estilos do movimento barroco foi influenciado também por
Quevedo, praticante espanhol do traço conceptista. O romance, talvez por
enfatizar a face satírica de Gregório, propõe o gongorismo como aspiração
inatingível pelo poeta da América colonial. Sua localização, estar no lado
escuro do mundo, comendo a parte podre do banquete parece ser motivo suficiente
para que não alcançasse o culteranismo do poeta espanhol. A questão proposta ao
leitor é: “Teria sido bom para Gregório se tivesse nascido na Espanha? Teria
sido diferente?” [27]
A pergunta pressupõe o conhecimento do leitor sobre a história biográfica do poeta
barroco e, ao mesmo tempo, o lança em direção à narrativa para nela descobrir o
motivo da pergunta.
Para aquele
que conhece ou tem em mãos a biografia de Gregório poderia considerar a
pergunta uma provocação irônica. Ao sair de Coimbra compôs versos hostis à
cidade que diziam “Adeus Coimbra inimiga,/ dos mais honrados madrasta,/ que eu
vou para outra terra/ onde viva mais à larga. [...]” [28]
Mais tarde, diante do infortúnio e da distância relembra “Eu sou conimbriense/
nascido nestas montanhas. [...]” [29].
Assim, poderia o leitor concluir que se Gregório tivesse nascido espanhol,
talvez satirizasse ou denunciasse as mazelas da Espanha e dos espanhóis. No
entanto, seria ainda grande poeta.
Fica
aberta, no romance, a discussão iniciada com a publicação da Formação da literatura brasileira, de
Antonio Candido, que teve como debatedores – em polêmica bem conhecida, mas que
vale ser retomada aqui – Afrânio Coutinho e Haroldo de Campos. De acordo com Candido, para que haja de fato literatura é
preciso escritores conscientes de seu papel, capazes de consolidarem uma obra
que estimule a formação de um público, de modo que com esses três elementos se
promova a "continuidade literária" [30]. Ou
seja, a não-ruptura das obras com seu público, a fim de que se possa configurar
um sistema. Esse "esforço de glorificação
dos valores locais" é, segundo Candido, "fruto de condições
históricas" [31], de um
desejo de desenvolver autonomia e unidade quando o Brasil deixou de ser colônia
e se tornou nação. Isso impõe à consciência brasileira a necessidade de
construir uma identidade nacional, tornando-a a missão de todo o escritor.
Haroldo Campos, em O Seqüestro
do Barroco na Formação da Literatura Brasileira (1989), coloca-se contrário ao
modelo de historiografia presente na obra de Antonio Candido. Campos argumenta
que esse modelo "é necessariamente redutor" e que no Romantismo, a
"'autenticidade’ e ‘permanência’ são entendidos como valores ‘auráticos’,
não-críticos, a-históricos, na medida em que são avaliados por um cânon
axiológico absoluto, alçado à condição de verdade atemporal" [32]. O
poeta e ensaísta afirma que a exclusão do Barroco por Candido, em seu modelo de
formação, privilegia o olhar romântico e assume uma perspectiva crítica
anacrônica.
Em sua obra, Conceito
de Literatura Brasileira (1981), Afrânio Coutinho também se coloca
contrário ao modelo de formação de Candido. Coutinho defende o Barroco como
movimento pertencente à literatura brasileira, identificando Gregório de Matos
como o primeiro autor dessa literatura pelo seu sentimento nativista. Segundo o
autor, "a brasilidade já se vinha constituindo, consolidando e libertando
havia muito antes da fase de 1750 a 1836". [33] O autor
defende, portanto, que a formação da literatura brasileira iniciou-se com o
Barroco. Os argumentos apresentados pelo crítico são de que o descrédito do
movimento Barroco pelos portugueses tem motivos políticos e sociais. Pelo fato
de o Barroco ter sido um fenômeno originalmente espanhol, a preocupação com a
"importação cultural (...) se somava à dominação política" [34],
gerando a condenação e a repulsa dessa estética. Portanto, segundo Coutinho, o
sentimento do ideal nacional de se libertar do poder de Portugal que existia
desde os primeiros tempos, fez com que os brasileiros buscassem modelos fora de
Portugal, encontrando no Barroco espanhol uma forma de reagir contra o jugo
português. Dessa forma, Coutinho atribui ao Barroco brasileiro uma preocupação
nativista.
Silviano Santiago, por outro lado
afirma que o compromisso missionário dos pensadores brasileiros (escritores e
pensadores de cultura de modo amplo) tem sempre como horizonte de reflexão a
oposição entre o local e o universal. O escritor romântico abandona qualquer complexo
de inferioridade em relação à Europa (o "lá") deixando de copiá-la,
para, então, refletir, apresentar e valorizar as particularidades do Brasil (o
"cá") em suas obras. Parece-nos que,
ao barroco brasileiro faltou abandonar este complexo de inferioridade, deixar
de copiar Gongora, Quevedo e Camões. O romance explora esta questão do
sentimento de inferioridade, apresentando a opinião de Gregório sobre seu
próprios versos:
As poesias líricas que escrevia lhe pareciam muito abaixo das de
Gongora y Argote. E inúteis. Nas duas mil casas da Bahia, as pessoas estavam
mais preocupadas com a concupiscência e a avidez pecuniária do que com o
espírito.[35]
E para encerrar a discussão
com o rabino sobre a publicação de seus textos poéticos Gregório de Matos diz:
“Estou apenas sendo justo, senhores filósofos, faço versos para os que não
sabem ler” [36]. Quase
sempre o que justifica o caráter profano, inferior das composições aos olhos do
poeta é o meio em que vive. A narrativa, portanto privilegia esta visão do ser
marcado pelo território cultural em que vive (a colônia) e não pelo espaço no
qual se formou (Portugal). É o narrador quem anuncia a incorporação da cidade
por Gregório de Matos:
Ninguém conseguiria mudar a
natureza de Gregório de Matos. Não havia mais nenhuma mulher em Portugal para
ser fornicada. Tampouco tinha o poeta mais nada a aprender por lá. Estava sendo
devorado por um monstro que não via, estava numa cidade decomposta, sediado
entre seu espírito fecundo e sua alma mordaz. Poderia ter-se dedicado à lírica
ou à transcendência espiritual, como Vieira, mas abdicara da graça da manhã
ensolarada e dos mistérios suaves, deixava-se vagar pela esfera mais funda e
por isso o chamavam Boca do Inferno. Mas boca do inferno não era ele. Era a
cidade. Era a colônia. [37]
O mesmo narrador apresenta no Epílogo
do romance o destino das personagens que o mesmo se dá em relação à cidade que
“haveria de ser sempre um cenário de prazer e pecado [...]. Não deixaria de
ser, nunca, a cidade onde viveu o Boca do Inferno” [38].
O fato de o Brasil não estar
constituído como Estado-nação está implícito no questionamento proposto pelo
narrador no início do romance e certamente influenciaria a produção literária
de Gregório de Matos, pois tratar-se-ia de um outro contexto histórico. Observamos
que as apropriações de poemas e fragmentos biográficos contribuem para a
construção de um discurso voltado para o caráter nativista do poeta barroco. A
cidade, a população da colônia, sua situação política e econômica adquirem
forma e expressão através dos fragmentos de textos que se deslocam dos
registros históricos para a narrativa romanesca. É esta transconstextualização
de gênero, estilo e convenções a que chamamos de paródia. O traço irônico desta
paródia surge no trânsito entre os textos apropriados e o modo como são
apresentados no romance, no plano semântico que se institui pela justaposição
de discursos.
Como pudemos ver na apropriação do
poema acima, enquanto a leitura integral do texto leva o leitor a construir uma
idéia sobre a decadência da Cidade da Bahia do século XVII; no romance, alguns
versos deste poema são apresentados como introdução à narração do assassinato
do alcaide-mor, do qual o poeta é cúmplice. Os versos emprestados vêm sugerir
tanto uma explicação contextual para a ocorrência do crime – a desordem geral –
quanto a reiteração da crítica antes feita por Gregório de Matos. Assim, o
poema que tem o mote, anteriormente citado, “A huma cobra qu [sic] se dezia andava no boqueirão de
Sancto Antonio do Carmo” introduz o olhar e o posicionamento do narrador que
filtra os textos de Gregório e de seus biógrafos. Poderíamos pensar aqui na
construção do romance como um palimpsesto de leituras. Quanto mais aprofundamos
a leitura, encontramos resquícios, sinais de outros textos ou outras interpretações
sobre a condição do poeta, de seu espaço social e de seu tempo.
Encontramos no romance descrições do
espaço que vão da objetividade fotográfica à subjetividade poética. Estas
descrições ambientam a narrativa tanto quanto interferem no caráter das
personagens e, assim como Gregório de Matos, toda a população encontra-se
corrompida pelo caráter paradisíaco e ao mesmo tempo demoníaco da cidade e pelo
conflito cultural, político e econômico com a pátria-mãe, modelo de
civilização. Lembramos aqui de Homi Bhabha que afirma que uma nação só se
constitui pela necessidade de marcar diferenças em relação a um outro. Ou seja,
só faz sentido caracterizar ou definir uma identidade nacional brasileira
porque há uma necessidade de afirmação e de diferenciação em relação à nação americana, inglesa,
francesa, etc. Assim, a ausência de uma unidade cultural e política autônoma,
na colônia, poderia justificar o caos administrativo, mas parece que, no
romance, esta ausência de um discurso de nação assinala também uma diferença em
relação ao outro. Reclama-se a dependência política e a usurpação econômica
exercida pela nação portuguesa que, pela distância, não consegue atuar
administrativamente. A voz de Antônio Vieira que acusa:
‘Nos Brasis, nas Angolas,
nas Goas’, continuou o jesuíta, ‘nas Malacas, nos Macaus, onde o príncipe só
conhece por fama e se obedece só por nome, aí são necessários os criados de
maior fé e os talentos de maior virtude. Dize isso a Sua Alteza, Gonçalo. Se em
Lisboa, onde os olhos de príncipe vêem e os brados do príncipe se ouvem, faltam
à sua obrigação homens de grandes obrigações, que será in regionem longinquam? O que será, nas regiões remotíssimas, onde
o príncipe, onde as leis, onde a justiça, onde a verdade, onde a razão, e até
mesmo Deus, parecem estar longe?’ [39]
O encontro
de Gregório de Matos com o rabino Samuel da Fonseca motiva o narrador a dar
notícias da realidade nos engenhos e, tratando da economia açucareira, afirma
que “além de enfrentar as inclemências da natureza e as dificuldades inerentes
à produção, os senhores da cana estavam sujeitos a uma política desastrada da
coroa” [40].
Mais adiante, o narrador explica que os produtores pagavam ainda as despesas da
guerra contra Holanda, “mas a colônia andava atrelada a Portugal. As moedas e
riquezas não ficavam no Brasil. A economia marchava conforme as circunstâncias
viessem a atender as necessidades do regime fazendário da metrópole”. Por aí
vemos o quanto custava à colônia a dependência administrativa de Portugal, por
isso a irritação de Gregório de Matos que sentencia: “Os brasileiros são
bestas, e estarão a trabalhar toda a vida por manter maganos de Portugal” [41].
Que me quer o Brasil, que
me persegue?
..........................................................................
Com seu ódio a canalha, que consegue?
que aqui honram os mofinos
e mofam dos liberais
Que os Brasileiros são
bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal. [42]
A voz do
poeta a recitar apenas uma parte do poema, conclui o raciocínio do narrador,
mas deixa um espaço para que lembremos da perseguição por que estava passando e
era motivo da visita ao rabino. Assim, a duplicidade significativa dos versos
emprestados pelo romance nos leva a pensar sobre a relação entre Brasil e
Portugal, bem como sobre a relação entre o poeta a colônia e a metrópole.
O espaço do
romance incorpora aspectos culturais e morais impostos pelo colonizador, mas
sem abandonar totalmente as características de origem. Há, com isso, uma
espécie de unificação ou congruência entre ser e espaço, os quais são marcados
ideologicamente pelo tempo histórico narrado. A cidade e Gregório de Matos
são figuras máximas incorporadoras do espírito da época. A primeira por sediar
tanto eventos históricos quanto a vida do poeta e a segunda por representar o
sentimento do mundo barroco no Brasil. O que desencadeia esta representação no
romance é o assassinato do alcaide Francisco Telles, fato que assinala o
recorte que se faz sobre a vida do poeta e sobre a história do Brasil, para
apresentar e desenvolver questionamentos e reflexões a respeito das imposições
moralizantes dos colonizadores sobre os colonizados, do caráter canônico da
história e da crítica literária.
Nesta arena
em que a Cidade da Bahia se transforma constroem-se dois centros: a personagem
Gregório de Matos, de caráter múltiplo (histórico e literário; advogado e político;
poeta e assassino) e o assassinato que, representando a guerra pelo poder, é um
divisor de águas no romance: de um lado está a aristocracia colonial, com o
apoio da Igreja, e do outro está o poder colonizador. Há um jogo entre
representantes da terra e representantes da coroa. Sobre todas as dualidades
paira a ficcionalidade questionadora que propõe um discurso que não é nem o
discurso canonizado pela história nem um discurso totalmente novo ou inventado.
O discurso do romance propõe a idéia de que entrar na história pela Cidade da
Bahia do final do século XVII, ou pela vida de Gregório de Matos, significa
entrar num período de formação da identidade cultural brasileira pela boca do
inferno num duplo sentido: a) o de que se inicia uma caminhada por um mundo de
maldades e desordens e b) o de que o inferno é um mundo multiforme de
contradições presente em toda a complexidade humana de Gregório de Matos.
A cidade da
Bahia, enquanto microcosmo do Brasil colônia, é refigurada por Ana Miranda tal
como a descrevem os documentos históricos e os poemas de Gregório de Matos, é
síntese significativa destes textos e contribuem para a refiguração do poeta.
Entre os textos parodiados e o texto paródico há uma mudança da visão
panorâmica (da época, do estilo barroco, do espaço social e político da vida do
poeta) para uma visão fragmentária.
Parece haver, no
romance, um espírito de época se manifestando em toda a colônia, lugar de
confronto entre dois centros de poder: o que se forma na colônia e o do
colonizador que tenta expandir seus domínios. No poeta, visto por sua obra,
esta oposição não resulta nem da supremacia do padrão da metrópole, nem do
americano, há nele uma coexistência ambígua de duas culturas, duas tradições,
dois centros, fazendo Gregório de Matos oscilar de um centro a outro sem
definir-se. [43] O
espírito de época presente na poesia de Gregório de Matos está lá não apenas
porque ele vivia no século XVII, mas também porque ele observava, conhecia,
atuava e, mais importante, porque ele registrou-se, através da linguagem
poética, como homem do seu tempo influenciado e modificado pelo contexto social
e histórico.
Há, na obra
do poeta Gregório de Matos, dois centros, que se apresentam através do
confronto entre duas figuras antagônicas refletidas na sua formação
epistemológica e biográfica. Por um lado, está o poeta em sua formação
histórica a partir de um colonialismo português (econômico, jesuítico...) e por
outro a realização desta formação, enquanto experiência, na colônia – terra que
se apresenta como a inversão da Europa.
A
apresentação de Gregório de Matos no romance demonstra uma preocupação em dar a
ele complexidade humana através de seu lugar no mundo barroco, de sua
representação como figura histórica e política, através de suas descrições como
indivíduo social e como artista. Esta complexidade humana, busca de romancistas
e biógrafos, dá ao poeta um caráter paradoxal que é próprio do ser barroco.
Portanto, Gregório de Matos é o Boca do Inferno não apenas pelas palavras que
profere, mas pelo ser barroco (brasileiro e português) que representa. É uma
entrada para desvendar esta complexidade identitária que é o ser brasileiro e é
esta a busca maior presente no romance enquanto representação histórica.
Para que
esta caracterização se dê coerentemente, dois aspectos da estética barroca
estão fortemente apresentadas no romance: o Cultismo e o Conceptismo. Estas
características estão entrelaçadas à forma e ao conteúdo da obra de modo a
garantir o seu teor histórico-crítico-literário-biográfico. Assim como para os
artistas representantes da estética e do comportamento barroco o romance
transmite a sensação inquietadora de que em tudo habita uma natureza dúplice. O
que era apresentado pelo uso de antíteses, onde cada afirmação implicava o
contrário dela mesma, o paradoxal está no romance através da personificação de
Gregório de Matos. Ele é o ser que guarda o avesso daquilo que mostra e o mundo
de Gregório de Matos é o resultado de um jogo feito diante do espelho.
No romance Boca
do Inferno, há uma preocupação com a identidade brasileira em suas origens,
enquanto que no período da estética barroca o que se pretendia era compreender
o presente através da realidade presente, numa tentativa de encontrar o ser
brasileiro que emergia naquele entre-lugar cultural. Talvez despontasse em
alguns artistas da época a consciência da formação cultural multíplice e o
desejo de independência cultural e, assim sendo, estariam dando início a um
sentimento de nacionalismo, de brasilidade que os punha contra as imposições culturais
européias e ao mesmo tempo não se sentiam capazes de desligar-se totalmente
delas.
Está
presente no romance o paradoxo barroco, uma incessante disputa entre o ser e o
parecer: “A cidade parecia ser a imagem do Paraíso. Era, no entanto, onde os
demônios aliciavam almas para povoarem o Inferno” [44].
É
importante observar, neste trecho, que os termos antitéticos Paraíso e
Inferno aparecem com inicial maiúscula, destacando a relevância dos termos
na construção frasal enquanto elementos enunciativos de um discurso que
permanece e se desenvolve no percurso histórico do romance e que se prende mais
ao caráter moral da cidade do que a aspectos cenográficos.
O que Ana
Miranda faz, no romance, é transpor este caráter polêmico e controverso de
Gregório de Matos para toda uma estrutura de época, tornando possível propor
questionamentos sobre campos diversos – histórico, literário, político,
econômico, social. Assim, questionar esse tempo através da figura de Gregório
significa rearticular um discurso fundador de uma identidade, a partir de uma
personagem também fundadora e de dentro deste discurso problematizar e
questionar a constituição do ser e da cultura brasileira. Por meio destes
questionamentos, talvez possamos nos atrever a formular uma resposta para a
pergunta: por que Gregório de Matos tornou-se cânone?
A formação
intelectual de Gregório de Matos está na metrópole, mas a aplicação, o
experimento deste discurso ocorre no Brasil, onde a cultura européia domina
pela força, mas não deixa de ser contaminada. E é nesta rua de mão dupla que
Gregório de Matos caminha e é nela que a formação da identidade do brasileiro
emerge no romance Boca do Inferno.
Ao discutir sobre a poesia de Gongora, Quevedo e Lope de Vega com Gonçalo
Ravasco, Gregório de Matos ouve do amigo: “Português? És um poeta brasileiro e
aqui tudo é diferente.” Afirmação com a qual o narrador concorda e explica:
Sem dúvida o fato de ser um
poeta brasileiro fazia com que Gregório de Matos se sentisse um idiota. Vivia
afastado da metrópole e perdia-se em divagações bastante confusas sobre si
mesmo. Achava que nada mais tinha a perder depois que voltara para sua terra,
viúvo e solitário. [45]
Apesar
disso, o que importa é a condição colonial em que está inserido, seria um
anacronismo afirmar que “brasileiro”, na fala de Gonçalo Ravasco, tenha
conotação nacionalista.
A
atualização do discurso nativista, presente na obra de Gregório de Matos, pelo
romance, ocorre quando a noção de centro deixa de funcionar, no e para a
narrativa, como uma realidade fixa e imutável que serve de pivô entre opostos
binários onde sempre um dos lados é privilegiado: branco/negro, homem/mulher,
eu/outro, ocidente/oriente, colonizador/colonizado, e passa a ser considerado
como uma elaboração, uma ficção, em que o “ou-ou” dá lugar ao “e-também” da
multiplicidade e da diferença. O romance Boca do Inferno privilegia esta
multiplicidade quando, ao narrar a vida de Gregório de Matos, o faz
considerando não apenas seu caráter artístico, mas também sua atividade social,
política, religiosa e individual; dando a ele não a perspectiva do cânone
literário, mas a do indivíduo que se posiciona ativamente contra a situação
política e cultural da colônia e que, por isso, é posto à margem do sistema,
tornando-se um poeta andarilho que canta o desconserto do mundo colonial. Deste
modo, o nativismo de Gregório de Matos, tal como o discute Afrânio Coutinho,
está no romance como traço ideológico em questionamento. Cada fragmento de
texto apropriado diz tanto sobre o contexto social e político da cidade quanto
sobre os interesses individuais do poeta.
3.1.2 A última
Quimera: a nação em trânsito
A análise do romance Boca do Inferno acima demonstra que a
condição colonial brasileira é apresentada através da descrição do espaço
social, cultural, político e econômico no qual vivia o poeta Gregório de Matos.
Incorporador desta condição inscrita na Cidade da Bahia, o poeta declara no
romance, bem como em sua poesia: “A ti tocou-te a maquina mercante que em tua
larga barra tem entrado; a mim foi-me trocando e tem trocado tanto negócio, e
tanto negociante” [46].
Esta relação do protagonista com o
espaço social se dá de modo diverso em A
última quimera. Neste o tempo e o contexto histórico da narrativa já não
comportam o mesmo ideal. O Brasil de Augusto do Anjos busca impor-se no
contexto mundial como Estado-nação. Os antigos interesses de afirmação da
condição nacional precisam ser reformulados e caminham para um processo de
reafirmação ou de confirmação da autonomia e legitimidade do Estado-nação
brasileiro. A dependência administrativa e cultural em relação à Portugal fazia
vigorar, no Brasil colonial, um discurso oscilante entre a manutenção do regime
e a sua crítica, porém sem pensar ainda na independência instituída quase dois
séculos depois.
É interessante notar que os recortes
temporais feitos por Ana Miranda para a construção narrativa dos romances fazem
coincidir momentos decisivos da história social brasileira e da biografia dos
poetas refigurados. Representantes da história literária brasileira, estes
poetas são propostos nos romances como protagonistas e testemunhas da história
social do país. Em A última quimera,
Augusto dos Anjos não é comparado, nem definido pelo meio em que vive. O espaço
social é diversificado, múltiplo, enquanto o poeta sofre para adaptar-se a esta
diversidade. A Paraíba, o Rio de Janeiro e Leopoldina tem características
próprias que o poeta vai desvelando, embora não se encaixe em nenhuma delas.
Elas representam um percurso, pegadas que sinalizam os infortúnios de Augusto
dos Anjos e sua visão de mundo.
Assim, o Engenho do Pau D’arco, na
Paraíba, onde passou a infância, é o espaço em que se configuram lembranças da
formação pessoal e intelectual do poeta; o Rio de Janeiro, sereia falaciosa,
representa as grandes dificuldades financeiras, a desintegração do sonho; e
Leopoldina, a cidade calma onde finalmente o poeta encontra sossego financeiro
ainda que não proporcione perspectivas de futuro literário. A realização do
sonho, da quimera, não ocorre em nenhum espaço existencial, a vida e a obra de
Augusto dos Anjos se completam em sua cosmogonia. Os espaços físicos da
narrativa simbolizam, por outro lado, o país em agonia, sofrendo com as
diferenças políticas e sociais internas diante de um processo de integração
nacional e mundial.
No contexto histórico e social
narrado nos romance Boca do Inferno e
Dias e Dias as relações entre Brasil
e Portugal são de grande importância para a configuração do status quo da formação do Estado-nação
brasileiro. O Brasil colonial de Gregório assim como o Brasil independente de
Gonçalves Dias tinham a nação portuguesa ou européia como referência no sentido
de inscrever nela ou a partir dela uma identidade, um senso de comunidade. No
novecentos, as exigências impostas pela sociedade industrial que provoca um
fluxo migratório mundial, serão outras. É preciso que o olhar nacional volte-se
para a sua organização interior e proponha mudanças que levem, a partir do
auto-reconhecimento, à integração no contexto mundial. Construir um romance
sobre Augusto dos Anjos significa refigurar o seu tempo-espaço. O recorte
temporal feito sobre a vida do poeta, no entanto, indica a preocupação da
autora em destituí-lo de seu aspecto canônico para investir nele as agruras do
tempo.
Se no Boca do Inferno o narrador apropria-se dos versos do poeta,
buscando neles as várias faces de Gregório de Matos e, principalmente, um
perfil político e social da colônia, no A
última quimera são apropriadas as correspondências de Augusto trocadas com
dona Córdula, sua mãe. As cartas, tal como nos mostra Raimundo Magalhães Júnior
na obra Poesia e vida de Augusto dos
Anjos (1977), são documentos que registram a preocupação do poeta em relação
aos acontecimentos políticos e literários de seu tempo. Ana Miranda constrói a
narrativa do romance tendo estas cartas como fonte (além de outros textos
históricos) e apropria-se de alguns trechos em que o poeta, enquanto
intelectual que luta por um espaço na sociedade literária, tece comentários e
opiniões sobre personagens e fatos da história do Brasil que testemunha.
O que pretendemos, neste momento, é
reconhecer o potencial crítico destas apropriações de fragmentos textuais que
tratam de assuntos nacionais. Estes fragmentos nem sempre são apresentados tal
como são encontrados nas cartas e, por vezes, basta-lhes a
transcontextualização para modificar-lhes o sentido ou mesmo a intenção
primeira expressa nas cartas. Repetição com diferença crítica, justaposição de
idéias é o que nos parece ocorrer em alguns momentos da construção narrativa.
A caracterização das cidades por onde
passou Augusto surge em vários momentos da narrativa. Fragmentos de uma mesma
carta estão espalhados a fim de dar ao leitor uma idéia da visão do poeta a
respeito destes espaços sociais tão diversos e que proporcionam diferentes
experiências e inspirações poéticas. Em carta enviada a D. Córdula aos 29 de
maio de 1911, por exemplo, Augusto demonstra depois de poucos meses estando no
Rio de Janeiro, sua decepção com a cidade que era então capital do país.
O ano de 1910, quando Augusto dos
Anjos muda-se para o Rio, é marcado pela disputa eleitoral entre o Marechal
Hermes R da Fonseca e Rui Barbosa pela sucessão presidencial. Ano de decisão
também para Augusto, pois o agravamento da crise econômica obrigara a família a
desfazer-se do Engenho do Pau D’arco, cenário de sua infância e juventude
presente em suas composições poéticas. Nesse mesmo ano, casa-se com Esther
Fialho e ocorre o incidente com o presidente da província, João Machado,
tomando a decisão de pedir demissão e partir para o Rio de Janeiro. Três meses
depois, continuava desempregado na capital nacional. A notícia do primeiro
emprego no Rio é dada a 29 de abril de 1911 e na carta à mãe do dia 29 de maio
desabafa ao falar sobre o irmão Aprígio dos Anjos que também se mudara para a
capital:
Desenvolveu ele alguns
esforços, no intuito de arranjar qualquer emprego nesta capital – espécie de
sereia falaciosa – pródiga unicamente em sonoridades traidoras para os que vêm
aqui pela primeira vez [...] Era meu desejo que Aprígio não saísse agora do Rio
de Janeiro. Todavia, em se tratando de lutar pela vida, nesse século de danação
social, em que o dinheiro logrou a tiara de pontífice ubíquo, para reinar
discricionariamente sobre todas as coisas, é muito de louvar o procedimento do
Aprígio, saindo dessa Paraíba Madrasta, enxotadora de seus filhos, em busca de
outra atmosfera mais propícia a florescer libérrimo de suas ricas
aptidões de moço. [...]. [47]
No romance estas críticas aparecem em
momentos e contextos diversos, unidas a outras críticas feitas pelo poeta em
outras cartas, artigos publicados em jornal. O narrador, antes de apresentar,
entre aspas, um trecho da carta, descreve os motivos da decepção do poeta.
Uma
cidade cosmopolita, mas que até então lhe parecia uma aldeia – embora houvesse
muitos franceses e ingleses – repleta de injustiças sociais, um espetáculo de
miseráveis ao lado de caleças, automóveis, que tornavam as ruas tristes
corredores. ‘O Rio de Janeiro é uma espécie de sereia falaciosa, pródiga
unicamente em sonoridades traidoras para os que vêm pela primeira vez’. [48]
A narrativa une ao enunciado da carta uma idéia comum à cultura
brasileira, pois compara o Rio a uma “aldeia”, sugerindo a ausência de
civilização e ressalva a presença de alguns franceses e ingleses, como presença
da civilização. O que o romance faz, nos parece, é configurar no discurso do
narrador e, por extensão, no de Augusto dos Anjos, o pensamento típico de uma
época em que muito se valoriza o elemento europeu, que ainda constitui um
modelo de civilização. A modernidade brasileira se prepara ainda para as
discussões e mudanças no plano social, cultural e político.
É neste ambiente de mudanças que amadurecem os ideais que farão parte de
um projeto artístico que será discutido a partir de 1922. Um projeto que
valorize e proponha a redefinição da identidade nacional, reconhecendo que os
moldes do nacionalismo romântico já não se enquadram no contexto social e
histórico brasileiro do novecentos. No A
última quimera, esta ambientação é essencial em dois sentidos: o da relação
entre o ser (o poeta) e seu contexto histórico e social, que determinam a sua
trajetória pessoal; e o da inscrição deste ser como peça chave para se pensar
este momento de transição histórica e literária. Na citação acima, temos a voz
do poeta endossando este clima paradoxal na capital nacional As ruas invadidas
pelo automóvel, símbolo da modernidade industrial, vistas como “tristes corredores”,
tem como imagem oposta a presença dos miseráveis e a intelectualidade tacanha
descrita, mais uma vez, pela voz do poeta:
Disse (Augusto) que o Rio era uma cidade que
premiava as falcatruas. Os honestos, os sonhadores, eram considerados bestas idiotas.
Dentre os poetas grassava o convencionalismo imbecil de Aníbal Tavares, Teófilo
Pacheco, a camarilha inteligente, competindo em bovarismos com letrados de
Buenos Aires e Paris. Os intelectuais só se preocupavam com futilidades, como a
estátua a Eça de Queiroz. Gente como Coelho Neto, João do Rio, grandes homens
da literatura, encjhiam páginas e páginas das folhas com o ‘assunto tão
palpitante’. [49]
É Francisco de Assis Barbosa, em notas biográficas
publicadas no Eu e outra poesias
(1983), quem assinala o fato:
A literatura oficial não poderia receber
o Eu sem restrições. Jamais
consagraria Augusto dos Anjos. Os grandes das letras continuariam a ignorar o
poeta e seu livro. Em junho de 1912, o que realmente empolgava as rodas literárias
era a idéia de Medeiros e Albuquerque para que se levantasse no Rio de Janeiro
uma estátua a Eça de Queiroz, obra do escultor Pinto do Couto, que certamente
não agradaria o criador d’O primo Basílio.
Entrevista de Coelho Neto, Bilac, Alberto de Oliveira, Paulo Barreto, Felinto
d’Almeida e Felix Pacheco enchiam colunas de jornais a respeito de assunto tão
palpitante. [50]
A paródia do texto de Assis Barbosa pode ser verificada pelas alterações
dos nomes dos poetas na narrativa do romance, indicando esquecimento, talvez
proposital, dos mesmos. Quanto ao assunto da propriedade de uma estátua como
homenagem a um escritor, o narrador parece tomar posição oposta à de Augusto
dos Anjos que, segundo o mesmo, considera “uma tolice”. No último parágrafo do
subcapítulo acaba por demonstrar simpatia ao caráter nostálgico e encantador da
presença das estátuas em lugares públicos dizendo: “fico admirando a estátua de
José de Alencar muito triste em sua cadeira de bronze; sinto vontade de
acariciar suas mãos”. [51]
A estátua de José de Alencar, escritor romântico brasileiro é aceita pelo
narrador, mas não a de Eça de Queiroz, ficcionista do Realismo português. Dois
pontos de vista sobre o assunto são apresentados sem que deles se proponha uma
conclusão. O tema permanece aberto para o leitor como a convidá-lo a refletir.
Constitui-se nisso o traço irônico da construção paródica. O sentido do texto
de Assis Barbosa é desdobrado, aberto, multiplicado, embora não destitua o
sentido primeiro. O leitor, ao transitar entre os textos e seus significados
reconhece a paródia e faz a ironia acontecer.
A desilusão com o Rio de Janeiro, apresentada no romance, pelas
dificuldades para publicar o Eu, se
estende ao ambiente literário e social da capital brasileira. Mas o “assunto
tão palpitante” da estátua, citado por Assis Barbosa, dá-se após a publicação.
A cronologia factual não é primordial à construção deste romance atravessado
pela memória do narrador e, portanto, as apropriações textuais são, não raro,
deslocadas espacial e temporalmente. Ou seja, das cartas para o romance; do
documento para a ficção; de um registro marcado pela exatidão temporal, para
uma narrativa trançada pela memória e pela história.
A caracterização da Paraíba, no romance, como “Madrasta monstruosa
enxotadora de seus filhos” virá como introdução à narração da partida de
Augusto em direção ao Rio de Janeiro e do motivo que o fez tomar tal decisão.
Sua partida da Paraíba – ‘madrasta monstruosa
enxotadora de seus filhos’ – (...) foi após o desentendimento e sua enérgica
reação contra a diatribe do Joque, presidente da província, admirador de
Augusto e que, no entanto, agiu como se fosse seu inimigo. O fato foi quase uma
tolice, uma dessas pequenas coisas que mudam enormemente o destino de uma
pessoa. Mas para Augusto representava muito. [52]
O motivo pessoal de Augusto dos Anjos alia-se, no mesmo capítulo do
romance, a outro de caráter social: a fuga do clima provinciano para o lugar
onde tudo acontece – a capital nacional. Segundo o narrador, “os jovens
deixavam sua província, aos magotes, rumo à gloria cosmopolita” [53].
Vemos, assim, que os espaços onde viveu o poeta Augusto dos Anjos foram
importantes para a caracterização do contexto social brasileiro da época, e as
características próprias da administração política destes espaços tão diversos
são o que constituem a formação individual do poeta e, ao mesmo tempo,
representam o Estado-nação. Referindo-se à diferença entre a Paraíba e o Rio de
Janeiro narra-se que “a violenta política local não nos satisfazia, queríamos
estar próximos da descontraída cidade onde tudo se decidia”. [54]
Leopoldina, “uma cidadezinha aprazível, num vale, cercada de distantes
montanhas verdejantes” [55],
era o oposto do Rio de Janeiro. Para viver nela, segundo o narrador,
a pessoa precisa ter um caráter especial para morar
num lugar como este. Primeiro, não pode gostar da solidão, a solidão é algo que
só encontramos nos desertos, nas cavernas, nas grandes cidades; depois não pode
gostar de sonhar, pois se sonhar acaba indo embora daqui. [56]
Em outro momento, acrescenta que em Leopoldina “todos os moradores têm
algo em comum, talvez movimentos mais lentos, ou uma concentração no espírito;
são uma gente contida, ingênua, eivada de pureza e paciência” [57].
Distante da agitação política e da intelectualidade carioca, em Leopoldina, o
poeta alcança maior respeito e reconhecimento. Diante da morte de Augusto, diz
o padre da cidade ao narrador:
Sabe, meu filho, esta cidade está de luto, há um
grande pranto em Leopoldina, como se lhe tivessem saqueado toda prata e ouro e
os vasos preciosos e os tesouros escondidos. Os príncipes e os anciãos gemem,
as virgens e os jovens perderam as forças, a formosura das mulheres
desapareceu, como no luto de Israel no primeiro livro dos Macabeus. Os homens
se entregam ao pranto e as mulheres, assentadas sobre seu leito, derramam
lágrimas. Estamos perplexos. Aqui, todos nos sentimos culpados pela morte do
poeta. [58]
As descrições das cidades, como espaços sociais individualizados,
constituem fases da vida de Augusto dos Anjos. Em conjunto estes espaços dão o
clima nacional do país, no início do século XX. Pinçando alguns fatos da vida
do poeta e do país, o foco temporal está sobre os anos de 1910 e 1914.
Refigura-se, assim, momentos decisivos da biografia do poeta do hediondo e de
seu país.
A disputa política entre o marechal Hermes e Rui Barbosa é assunto das
cartas escritas por Augusto dos Anjos, durante o período em que morou no Rio de
Janeiro. Adepto ao “civilismo” de Rui Barbosa, no entanto sem maiores
interesses para com a política, Augusto permanece à mercê dos acontecimentos e
sem emprego, já que dependia de indicação política para tal. O alvoroço da
cidade parece interessar ao poeta que demonstra nas cartas ter conhecimento e
posicionamento crítico sobre os fatos. Este clima, no entanto, é estendido ao
país e ao mundo. A visão local e individual expressa pelas cartas é ampliada
pelo narrador que representa uma voz à distância do ocorrido. Antes de relatar
sobre a revolta da chibata, ocorrida em novembro de 1910, o narrador, usando o
texto de Augusto diz:
A cidade – até posso dizer, o país, o mundo – estava
em permanente conflito. As coisas se sucediam atropeladamente. Logo que
chegaram ao Rio de Janeiro, Augusto e Esther assistiram pela janela do sobrado
à sublevação da marinhagem, podiam ver os couraçados parados no mar [...]. [59]
Enquanto que, na carta, Augusto faz o seguinte comentário:
Esta cidade caminha no mesmo alvoroço do costume. Os
acontecimentos se sucedem uns aos outros, atropeladamente, escapando-se muita
vez, em virtude da superabundância, ao cálamo profissional dos cronistas. [60]
Nesta correspondência, o poeta narra a questão do desembarque dos frades
expulsos de Portugal e que o governo de Nilo Peçanha não queria deixar
desembarcar. O governante republicano foi traído pelo Supremo Tribunal Federal,
que autorizou o desembarque. O fato é de alcance histórico menor e, talvez por
isso, é substituído pela Revolta da Chibata, no romance. Além disso, a visão do
país como espaço de conflitos permanentes não estava na carta de Augusto, é uma
atualização de seu discurso. Uma ampliação que se torna possível pelo
afastamento temporal daquele que narra se apropriando do discurso do outro.
Citamos abaixo o fragmento apropriado e sua reescrita na narrativa do romance:
Escrevo-lhe hoje logo após a sublevação de nossa
marinhagem, cujos dread-noughts – verdadeira máquina de destruição radical –
estiveram, durante longo tempo assestados sobre todos os pontos desta cidade
ameaçando bombardeá-la a cada instante!/ Imagine Vm.ce o terror imensurável que
apertou a alma pacífica da população, gerando-lhe, na excitabilidade anormal da
vida nervosa, a mais desoladora de todas as expectativas. [61]
Texto paródico:
Os canhões dos dreadnoughts, verdadeiras máquinas de
destruição, durante a revolta ficaram assestados sobre diversos pontos da
cidade, como o Catete, o Senado, o Arsenal da Marinha, para a qualquer momento
bombardeá-la, criando entre a população um terror que ‘apertou a alma pacífica
da população, gerando-lhe, na excitabilidade anormal da vida nervosa, a mais
desoladora de todas as expectativas’. Como disse Augusto. [62]
Assim em paralelo podemos observar que todo o fragmento do romance é
apropriação do texto do poeta, ainda que apresente diferenças. Além do
deslocamento de um gênero discursivo a outro, há diferenças significativas no
plano dos sentidos. Primeiro, há atualização da grafia do nome dado aos navios
adquiridos pelo Brasil como “estratégia sul-americana do Barão do Rio Branco de
intimidar a Argentina com a força naval brasileira na disputa pela hegemonia do
Atlântico-sul” [63];
segundo, a definição dos navios dada por Augusto como “máquinas de destruição”
é reduzida aos canhões destes navios; terceiro, sinaliza os três pontos onde os
navios tomaram posição – dado histórico e geográfico direcionado ao leitor que
possui informação suficiente para ter uma noção da estratégia de guerra
implementada pelos revoltosos; por último, o narrador que vinha já se
utilizando do texto da carta decide, enfim, usar aspas para dar voz a Augusto
dos Anjos, destacando a capacidade verborrágica do poeta para descrever os
sentimentos da população que, como o poeta, esteve do lado de dentro da
situação.
De outro modo, o romance explora ainda a participação do poeta parnasiano
Olavo Bilac numa revolução durante o governo militar do Marechal Floriano
Peixoto, que resulta na prisão de vários intelectuais adeptos do Marechal
Deodoro da Fonseca. Relatar a atuação e a prisão de Bilac, no romance, nos
parece uma forma de diferenciá-lo de Augusto dos Anjos não apenas no plano da
produção poética e sua representatividade no meio acadêmico e jornalístico, mas
também no plano da atuação política. O episódio da Revolta da Chibata mostra
Augusto dos Anjos como cidadão comum que sofre com as decisões políticas do
país sem tomar parte ou reagir contra estas decisões. Ao contrário de Olavo
Bilac, o “morcego tísico” representa o lado pacífico do povo brasileiro. Entre
os poetas estabelece-se o dualismo, não mais o dualismo opositor do bem contra
o mau, apresentado nos romances históricos tradicionais – mas um dualismo em
que convivem o verbalismo crítico de Augusto e o materialismo atuante de Bilac.
Esta dupla refiguração do caráter nacional brasileiro pode ser identificada
pelas seguintes descrições dos poetas:
Não se pode dizer nem mesmo que houvesse contra
augusto alguma restrição quanto a suas crenças políticas, ele era partidário do
civilismo e não escondia de seus amigos que votava contra a interferência dos
militares na política, mas isso não significava que fosse perigoso ou incômodo
para alguém. [64]
Enquanto
que sobre Bilac, após narrar a sua prisão e libertação em 1881, utiliza-se
certo humor às custa do próprio poeta parnasiano que ironiza a situação dizendo
que “tinha se metido na revolução apenas por um impulso de curiosidade, vontade
de conhecer por dentro um movimento político, uma conduta platônica, por
vocação para mártir” [65].
O narrador mostra, assim, o caráter político atuante de Bilac que, ainda que
tivesse que usar de pseudônimos no jornal O
combate
destilou
urtiga, fel, galhofas, remoques, cascalhadas, vinhetas revolucionárias,
achincalhando os burgueses enriquecidos à custa dos negros, perseguindo um
médico que esterilizava mulheres pobres e fazendo outras campanhas do gênero. [66]
Vemos, portanto, que a narrativa faz contrastar o positivismo do poeta de
“A pátria” com o pessimismo pacifista do poeta do Eu; faces da mesma moeda corrente brasileira.
Voltando ao assunto da Revolta da Chibata, apontamos ainda o
posicionamento pessoal de Augusto como favorável à sublevação. Este
posicionamento declarado abertamente na carta escrita dois dias depois do
ocorrido, está apenas parcialmente relatado no romance. O narrador prefere que
o leitor apenas infira do texto a posição do poeta. Vejamos na carta como está
anunciada a posição:
Entretanto as causas geratrizes da sublevação foram,
consoante o meu entender, as mais justas possíveis./ Os marinheiros revoltosos
desejavam a abolição dos castigos corporais que degradam a personalidade,
reduzindo-a a uma trama biológica passiva, equiparável à das bestas
acorrentadas.[67]
E no
romance:
Os marinheiros queriam que fossem abolidos os
castigos corporais – chibata e outros – que ‘degradam a personalidade
reduzindo-a a uma trama biológica passiva, equiparável a bestas acorrentadas.[68]
Entendemos, portanto, que o caráter paródico destas apropriações se dá no
sentido de que a intenção particular, pessoal de Augusto do Anjos de informar a
mãe sobre os trágicos acontecimentos, testemunhados por ele na capital brasileira,
é transferida para um plano discursivo mais amplo, com intenção informativa e
reflexiva sobre o caráter pacífico do ser brasileiro. No romance A última quimera, uma visão particular
sobre acontecimentos históricos no Brasil do início do século XX passa a ter
valor histórico. O pessoal torna-se geral, na medida em que Augusto dos Anjos é
expressão do homem brasileiro que vive um período de transição para o processo
de reconstrução da identidade nacional.
A última quimera, além do recorte biográfico é uma leitura do
caminho para a eclosão da modernidade. Nele está o negativismo de Augusto dos
Anjos ao lado do positivismo de Bilac; os conflitos interiores e exteriores do
poeta do hediondo com o mundo físico e capitalista e os conflitos sociais do país que vive em
meio a uma crise mundial. Seguindo modelos europeus e investindo largamente na
urbanização e na indústria o país busca modernizar-se. O automóvel é o símbolo
da modernidade mais explorado pelo romance, sua presença modifica a paisagem da
cidade e o ritmo da vida urbana.
Baseada na economia agrária exportadora, principalmente pela
cafeicultura, a sociedade entra em desequilíbrio social, dividindo-se entre os
ricos proprietários rurais (barões do café), a burguesia industrial nascente e
a classe trabalhadora, operários e ex-escravos, oprimindo a classe média. Os
contrastes sociais desencadeiam o que Augusto dos Anjos e o narrador do romance
chamam de “alvoroço”, pois se intensificam os gritos e ações de revolta. Entre
eles a revolta da chibata. No plano jornalístico, tornam-se mais freqüentes a
prática de entrevistas, reportagens e crítica literária, surgindo a cultura que
retrata o “sorriso da sociedade” [69].
É dentro deste clima de ebulição e inquietação política, social e
cultural que um novo ideal nacionalista se forma. Contra os modismos da arte
literária, Augusto dos Anjos propõe-se como o brasileiro de raízes
provincianas, mas com expressão do sentimento do mundo. O paralelo com Bilac
não é gratuito, pois é o poeta progressista e patriota, desejoso de um Brasil
civilizado, aos moldes da tradição francesa e aliado da ideologia da Belle époque carioca. Será desta
variação de posicionamentos críticos em relação ao país que os ideais
modernistas ganharão forma e conteúdo, tendo como um dos centros de discussão a
questão da identidade nacional.
Após a abolição da escravidão e com as mudanças sociais e culturais o
Brasil precisa repensar seu discurso de nação. O romance, neste sentido,
refigura um momento da história do Brasil marcado pela ausência de um discurso
de nação que respondesse à necessidade de integração nacional daquele momento
em que o país apresenta atônito diante das mudanças e dos conflitos no plano
mundial.
O ano de 1914 é marcado pela primeira Grande Guerra, encerrando um
período de conflitos sociais intenso, bem como pela morte do poeta Augusto dos
Anjos. Um evento mundial em paralelo a um evento nacional particular, ambos
sinalizando a necessidade de se repensar a condição nacional do Brasil em suas
relações interiores e exteriores. A condição nacional refigurada no romance é
de balbúrdia e incertezas, assim como a condição social de Augusto. Estes
paralelismos contextuais feitos, não raro, pelas apropriações de fragmentos das
cartas dão o tom reflexivo do romance. Uma destas relações nos parece bastante
clara no subcapítulo 14 do capítulo intitulado “Morcego tísico”. O narrador cita
vários episódios históricos de grande ou pequena repercussão, mas que
contribuem para a construção do clima de conflitos sociais da época para então
concluir: “A anormalidade parecia ser a norma geral. E o emprego de Augusto não
saía das promessas fúteis” [70].
A busca do poeta pela estabilidade, pela fixidez parece encerrar-se,
entretanto, com a nomeação para Diretor do Grupo Escolar de Leopoldina.
No soneto “Guerra”, composto depois da irrupção em agosto de 1914, da
conflagração européia que repercutiu em Leopoldina, Augusto encara o conflito,
segundo Assis Barbosa, como uma expressão da Struggle for live darwiniana em escala internacional. O conteúdo do
poema contrasta com a posição de seu irmão Rômulo, apresentada pela via
ficcional, no romance. Uma voz mais pragmática que a de Augusto, Rômulo traz
novamente a questão do pacifismo do povo brasileiro e parece sutilmente lembrar
a voz solitária do poeta em outra fase mais patriótica, quando em cena aberta
gritara “Viva a república”, no dia 13 de maio de 1908. [71]
O Brasil permanece numa insuportável paz, como se
não fizesse parte do mundo. Algumas vezes caminhamos pela rua e ouvimos alguém
gritar ‘Vive la France!’, mas é uma
voz solitária; [...] [72]
E para concluir a idéia de pacifismo, Rômulo afirma que “o povo
brasileiro só vai empunhar suas escopetas no dia em que o privarem de seus
magníficos cigarros Vanille”. Interlocutor de Rômulo, o narrador é quem mais
uma vez expressa o ponto de vista de Augusto dos Anjos. Ainda que de modo menos
filosófico, o darwinismo se mostra semelhante.
A guerra toma as páginas de nossos jornais e a
cabeça dos jovens arrebatados, que sonham com as batalhas, imaginam-se
pilotando aeroplanos, sobrevoando cidades, despejando bombas nas catedrais dos
inimigos. Metem suas imaginárias botas na lama para atravessarem campos
minados, saltam sobre cercas de arame farpado, cavam trincheiras, atiram com
canhões, enfiam baionetas nos peitos dos inimigos que muitas vezes têm o rosto
de seus próprios pais ou irmãos. A Guerra, para nós, é apenas uma fantasia. [73]
No poema, Augusto define “Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é
transporte.../ É a dramatização sangrenta e dura/ Da avidez com que o espírito
procura/ Ser perfeito, ser máximo, ser forte!” [74]
A transição entre o poema e a narrativa do romance parece nos sugerir que a
guerra é uma fantasia para a humanidade, mas esta é uma proposta que não se
encerra no romance, se complementa com as idéias inferidas no texto poético de
Augusto dos Anjos. Entre um ponto de vista filosófico e outro mais mundano o
leitor trabalha com o seu horizonte de conhecimento, formula conclusões
possíveis sobre o assunto aberto.
A atualização de discursos de nação ou sobre a condição nacional
brasileira de cada época se dá justamente neste processo de intersecção
discursiva. A narrativa provoca no leitor a relativização de discursos do
passado e consequentemente dos discursos do presente inscritos nas narrativas
que reconstroem ou refiguram este passado.
3.1.3 Dias
e Dias: sabiás na gaiola
As análises empreendidas até aqui apontam para a idéia de que entender o
Estado como anterior à nação, no caso brasileiro, não dá conta da complexidade
do processo de construção da identidade nacional. [75]
O romance Dias e dias (2003), de Ana
Miranda, nos leva a reflexões sobre a formação da nação e do Estado nacional
brasileiros, no início do século XIX. Parece-nos que a narrativa aponta para o
fato de que esta formação não se dá apenas por uma “ruptura unilateral do pacto
político que integrava as partes da América no Império Português” [76];
e que a vontade de emancipação política não equivale à constituição do Estado
nacional brasileiro.
As relações do entre o romance Dias
e dias, de Ana Miranda, e discurso nacionalista romântico estão sugeridos
em vários momentos da narrativa do romance. Por exemplo, o relato sobre João
Manuel Gonçalves Dias, pai do poeta, como um “português de Trás-os-Montes, não
gente daqui mesmo, não era brasileiro como minha família de militares cearenses
que vieram lutar contra o coronel Fidié e acabaram ficando por aqui [...][77].
A narradora, Feliciana, assinala neste trecho a inimizade entre brasileiros e
portugueses, entre os que defendiam o Brasil independente e os que queriam a
volta do domínio português. O pai de Gonçalves Dias lutara ao lado da resistência,
comandada pelo Major João da Cunha Fidié, citado no poema “Ao aniversário da
independência de Caxias” em que o poeta canta a força e a liberdade de Caxias.
Fica assim, exposta a posição política oposta entre o pai de Feliciana e o pai
de Gonçalves Dias, constituindo isso parte da contextualização histórica do
romance.
Em seguida, a narradora contextualiza historicamente o ano do nascimento
do poeta romântico e o seu como um tempo conturbado. Tal como Gonçalves Dias,
em nota autobiográfica, a narradora associa o nascimento de ambos aos
acontecimentos políticos, assumindo de forma indireta que foram profundamente
marcados por eles. Nascido com a independência de sua terra, como o apresenta
Lúcia Miguel Pereira, Gonçalves Dias narra seu nascimento assim:
‘As províncias do norte do Brasil foram
as que mais tarde aderiram à independência do Império. Caxias, então chamada Aldeias Altas no Maranhão, foi a
derradeira. A independência foi ali proclamada depois de uma luta sustentada em
denodo por um bravo oficial português que ali se fizera forte. Isto teve lugar
à [sic] 1º de Agosto de 1823. Nasci a 10 de agosto desse ano.’ [78]
Enquanto que Feliciana opta por uma descrição mais social:
O tempo de nosso nascimento, Antonio em 1823 e eu em
1824, foi conturbado, Caxias já era uma comarca próspera, os portugueses desde
muito antigamente tinham se estabelecido lá para negócios de comércio, retalho,
exportação, importação, eles animavam a economia, tinham os cargos políticos,
controlavam os negócios públicos, [...]. Um pouco antes do meu nascimento
começou um tempo de pobreza, o negócio do algodão estava esboroado porque o
algodão não tinha mais lugar no comércio entre os países [...] aqui se ouvia
falar todo o tempo de insurgentes, movimentos nacionalistas em que conspiravam
contra o rei, mas os portugueses em Caxias adoravam dom João e resistiam ao
Império Independente. [79]
Observamos, portanto, que há uma mudança de focalização histórica que vai
do factual para o social, mas há ainda a intenção de marcar o contexto
histórico como um dos fatores determinantes na formação ideológica nacionalista
do poeta. A vitória dos brasileiros será cantada pelo poeta em sua homenagem ao
aniversário da independência de Caxias, a qual se encerra com os versos “Oh!
Fora belo arriscar a existência em pró da pátria, / Regar de rubro sangue o
pátrio solo, / E sangue e vida abandonar por ela.” [80]
A narradora e personagem, que não esconde a sua obsessão pelo poeta, cola a sua
origem na dele e seu posicionamento político, ou a falta dele, é uma união de
simpatias inconciliáveis.
Às vezes fico pensando: se não tivesse acontecido a
Independência, se papai não tivesse vindo lutar contra o Fidié, se eu tivesse
nascido em Fortaleza, eu nunca teria conhecido Antonio. Por isso amo
secretamente o coronel Fidié e quando papai fala mal dele eu saio de perto.[81]
A fala de Feliciana, compreensiva dos conflitos interiores do poeta
mestiço e filho natural (português), se revela também nos primeiros versos do
mesmo poema Caxias (ao aniversário da independência de Caxias): “O nobre Fidié,
que a antiga espada, / Do valor Português empunha hardido...”. Por outro lado,
podemos inferir desta fala que destino de ambos se amarra ao destino e à
história da nação brasileira. Os textos do poeta, assim como o contexto
histórico e social do país apresentados por biografias ou pela historiografia
literária brasileira atravessam o romance, imprimindo nele um aspecto de
fragmento de um mosaico representativo da história de um espaço, um tempo e um
ser que inscrevem o processo formação nacional.
Embora o romance privilegie o traço lírico do poeta, os sinais
nacionalistas surgem ora como relatos dos conflitos sociais, ora como
apropriações de elementos poéticos presentes na obra de Gonçalves Dias. Alguns
capítulos são essencialmente voltados para a temática nacionalista, como “A
Balaida” e “A volúpia da saudade”; outros tratam o assunto de modo muito sutil,
como em “Um sabiá na gaiola”; Há também sub-capítulos que se referem
diretamente a uma obra ou a um poema específico como “Canto dos piagas” – no
qual se trata do apego aos índios – “Canção do exílio” – onde o poema é
interpretado pela narradora, leitora contemporânea do autor – e “Canto do
piaga” – aparente repetição de títulos, onde são apresentados os poema do Primeiros cantos (1841). Navegando entre
a obra poética e a história pessoal de Gonçalves Dias, bem como pela história
da formação nacional do Brasil, Feliciana traduz-se em uma memória que vem
narrar e fazer reviver um período histórico.
O tom saudosista atravessa toda a narrativa. Ausente o poeta da “Canção
do exílio”, Feliciana, por vezes, se assemelha à pátria exilada.
Antonio era o ausente, ele partia e eu ficava, ele
sempre viveu uma eterna partida, em estado de viagem, um pássaro migrador, e eu
sempre parada no mesmo lugar feito uma palmeira, e ele, o sabiá que apenas
pousa um instante. [82]
Esta inversão do sentido da “Canção do exílio” encerra o capítulo “A
Balaiada” que refigura a batalha nacionalista desencadeado por diferenças
sociais e políticas e, por que não dizer, pelos diferentes projetos de nação
existentes naquele momento de desestabilização, provocada pela Proclamação da
Independência. O episódio traz conseqüências drásticas para a vida particular
do poeta que se encontra na Europa, mas depende de recursos financeiros que
deveriam ser (mas não são) enviados pela madrasta. Há aí o entrecruzamento
entre o público e o privado, a história nacional e a história particular,
biográfica do poeta. Há, no romance, uma sobreposição discursiva em que
Gonçalves Dias reconstrói em sua obra literária um passado histórico da
formação nacional respondendo a um discurso de nação romântico do século XIX,
enquanto que Ana Miranda reconstrói o passado do Estado e da nação brasileira,
apropriando-se do discurso de nação incorporado por Gonçalves Dias e do
contexto histórico em que este discurso se impunha e se formava.
A paródia textual de poemas e cartas de Gonçalves Dias se dá neste mesmo
sentido de sobreposição ou de justaposição. Ao tratar dos Primeiros cantos, Feliciana apresenta-se, pela segunda vez, como
inspiradora do poeta romântico. Desta vez trata-se do poema “Canção do exílio”
sobre o qual a leitora Feliciana apresenta uma interpretação aparentemente
ingênua de moça apaixonada, revelando n
o entanto, um paralelo entre esta moça e a pátria de Gonçalves Dias.
O livro começava pela “Canção do exílio”, que me
deixou na maior das felicidades, pois mostrava o quanto Antonio tinha
recordações de Caxias, uma saudade cheia de lirismo. Achei, aqui dentro de mim,
de meu coração, que Antonio tinha escrito a “Canção do exílio” para mim, porque
eu sabia remedar igualzinho o gorjeio do sabiá, então quando ele dizia ‘as aves
que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá’, para mim queria dizer que as mulheres
do mundo não eram tão primores a desfrutar como as mulheres daqui [...][83]
O cruzamento entre o horizonte de conhecimento e o de expectativa da
leitora do século XIX, aliado ao prólogo escrito pelo autor no livro,
justificavam, de certo modo, a interpretação de Feliciana. Por outro lado, se
lermos o romance entendendo a narradora como imagem especular da cidade de
Caxias, a interpretação dada ao poema justifica-se mais plenamente. O prólogo
da primeira edição dos Primeiros cantos
apropriado para esta interpretação do poema diz o seguinte:
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os
olhos de sobre a nossa arena política para lêr em minha alma, reduzindo à
linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e as
idéias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano – o aspecto
emfim da natureza.[84]
Feliciana inclui parte deste trecho do prólogo em
que o poeta apresenta aspectos do modo de produção poética, aliás, típicos do Romantismo,
e o usa para fundamentar sua interpretação, traduzindo ou simplificando versos
do poema em questão.
Tudo aquilo escrito quadrava muito bem
com o que exprimia, ele no prólogo falava que afastava os olhos da arena
política para ler em sua alma, e em sua alma encontrou palmeiras e sabiás, as
palmeiras estão aqui, basta abrir os olhos e olhar para qualquer lado, eis as
palmeiras! E nelas... os sabiás! Um céu cheio de estrelas, mais prazer ele
encontra cá. [85]
A voz do poeta é apropriada e adquire novo sentido. A produção de
improviso e de efusão sentimental é relacionada apenas à representação da
paisagem, da cor local, na interpretação do poema dada por Feliciana. Esta era
a exigência maior dos grandes da literatura portuguesa como Alexandre Herculano
e Almeida Garrett. Assim, de certo modo, podemos ver no encanto de Feliciana
com o poema, o mesmo encanto que provocou em Herculano e que o fez enviar seu
reconhecimento literário ao poeta brasileiro.
Gonçalves Dias é, assim, um sabiá que aprendeu a cantar na gaiola, tal
como nos descreve a narradora o processo de aprisionamento do sabiá, ave que
não se ajusta à prisão em gaiolas. Cercado pela crítica, bem como pelas
imposições estéticas de lideranças portuguesas no meio literário, porém
impulsionado pelo desejo de ser o primeiro poeta brasileiro a ganhar destaque,
o poeta alcança o reconhecimento. A literatura nacional brasileira tem em
Gonçalves Dias a expressão de uma identidade nacional fundada na busca pela
representação do herói nacional e da cor local, que responde ao projeto
nacionalista romântico.
Segundo o professor e historiador István Jancsó, os estudos históricos
têm “privilegiado a formação do Estado, reconhecido brasileiro e a partir daí
(em geral por inferência), admitido como nacional.” [86]
Entendemos, portanto, que o romance segue direção contrária. Ainda segundo o
professor, a emergência do Estado brasileiro se dá em meio à coexistência, no
interior do que fora anteriormente a América portuguesa, de múltiplos projetos
políticos, cada qual sintetizando trajetórias coletivas que, na sua
particularidade, balizavam alternativas diferentes de futuro. Estes projetos
tomavam por fundamento o passado e o presente das comunidades em que tais
projetos seriam engendrados. Sendo assim, cada qual se referia a alguma
realidade que, no contexto da crise geral do antigo regime, trazia em si
potencialidade de tipo nacional. Diante disso, se observarmos nas manifestações
contemporâneas expressões de sentimento de pertencimento ou indicando adesão a
alguma comunidade imaginável como nacional, isto significa que precisamos
repensar o universo das identidades coletivas, fundamentalmente devemos
observar o que elas “revelam sobre a própria estruturação do novo estado e
sobre o tomar corpo e forma da nova nação brasileira na primeira metade do
século XIX”. [87]
A focalização da narrativa do romance Dias
e dias em um contexto histórico social, no qual se inclui o poeta, nos
permite visualizar o confronto entre dois aspectos da formação nacional:
aqueles que queriam manter a nacionalidade portuguesa e os que queriam
libertar-se dela. Refiguram essas posições o pai de Gonçalves Dias e o pai de
Feliciana; como posições militares aparecem o coronel Fidié – que Lúcia Miguel
Pereira diz ser Major – e Lord Cochrane.
Nos romances Boca do inferno, A última quimera e Dias e
dias há, através da revisitação da memória e do momento literário de cada
poeta, uma busca pela representação que
proporcione ou sugira a discussão a respeito da condição nacional (política,
cultural e literária), confrontando o passado com o presente e vice-versa. No romance Boca do inferno, Gregório
de Matos, no século XVII, revolta-se com as atitudes subservientes do Brasil em
relação a Portugal, vivendo uma relação de amor e ódio com as duas pátrias, mas
sendo ainda um sabiá em liberdade. A narrativa de Dias e dias encontra Gonçalves Dias,
no século XIX, num contexto de luta pela afirmação da identidade brasileira
diante da pátria-mãe, para isso é preciso superar a perda e suportar as
limitações da gaiola nacionalista. De outro modo, em A última quimera,
as reflexões sobre o canônico revelam uma crítica ao sistema
histórico-literário brasileiro, em franco reconhecimento da autonomia da
literatura e da comunidade nacional brasileira que discute internamente seu
processo de formação.
Retomando
a discussão apresentado no início deste artigo, encerramos nossa proposta de
análise lembrando que se Jameson exige a conexão lukásciana entre grandes
acontecimentos sociais e o destino existencial dos indivíduos para a
permanência do romance histórico, P. Anderson aposta na ideia de que este revival
pós-moderno deveria ser visto antes como uma tentativa desesperada de nos
acordar para a história, em um tempo em que morreu qualquer senso real dela. A
visão fagmentária que Ana Miranda imprime em seus romances históricos sobre a
matéria da história, assim como a de muitos outros autores hoje, parece-nos
oposta à visão do anjo da história anunciado por Benjamim, o qual se distancia
de algo em que fixa a vista. O anjo de Benjamim é retomado por Perry Anderson
para encerrar sua resposta a Jameson e agora encerra também estas reflexões:
Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe
única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos
pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos.[88]
As apropriações paródicas nos romances de Ana Miranda revelam o recorte
intencional de elementos históricos, privilegiando, especificamente em Dias
e Dias, o poder imaginativo do falso, da mentira e do engodo como a
reconhecer a multiplicidade de versões fantásticas e autocontraditórias da
história, propondo entre elas a versão da ficção histórica.
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Souza. Poesias de Gonçalves Dias.
Tomo I. Rio de Janeiro: Garnier, 1963.
[1]Refiro-me a discussão proposta pelo texto de Frederic Jameson, “O
romance histórico ainda é possível?”, e à resposta de Perry Anderson a Jameson
em “Trajetos de uma forma literária”, ambos traduzidos e publicados na revista
Novos Estudos, em março de 2007. A questão foi apresentada e discutida no
capítulo "A paródia e a nação em discursos", integrante do meu
trabalho de tese Refigurações de nação no romance histórico e a paródia
moderna de Ana Miranda, UFPR, 2009.
[3]
HUTCHEON, Linda.
Poética do pós
modernismo: História, Teoria, Ficção. Rio de Janeiro: Imago Ed.: 1991.
p.63.
[6]Assumimos a posição
dada por P. Anderson ao afirmar que para apreender o sentido no qual
Guerra
e Paz (ou outro romance) é um romance histórico que interliga
acontecimentos públicos e vidas privadas à maneira clássica é preciso inseri-lo
na série da qual é parte "O romance histórico [...] é produto do
nacionalismo. Isso vale tanto para Tolstói quanto para Scott, Cooper, Manzoni,
Galdós, Jokái, Sienkiewcz e muitos outros". Acrescento que isso vale
também para Ana Miranda e outros escritores que, intencionalmente ou não,
trabalham ficcionalmente sobre o discurso ou o documento históriográfico.
[7]
HUTCHEON, Linda.
Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70. 1998.
[8]
HUTCHEON,
Uma teoria da paródia.
Lisboa: Edições 70, 1998. p. 17
[11]
LYOTARD, Jean Françoise. O Pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
[13]
LIMA, Rogério.
O dado e o Óbvio: o sentido do romance na
pós-modernidade. Brasília: EDU/Universa, 1998.
[16]
CALMON, Pedro.
A vida espantosa de Gregório de Matos. Rio de Janeiro:
Bloch, 1983. p.65. (Itálicos do autor)
[17]MIRANDA
(1989), p.26.
[20]
HUTCHEON,
Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro:
Imago, 1991. p. 88.
[21] CALMON, Pedro.
A
vida espantosa de Gregório de Matos. Rio de Janeiro: Bloch, 1983. (p. 212 –
217).
[23] O melhor exemplo
desta crítica é o poema “Triste Bahia”, que fala das transformações ocorridas
na cidade devido à chegada da “máquina mercante” que a fez dar “tanto açúcar
excelente pelas drogas inúteis”. Deste modo, o poeta coloca os mercadores como
o primeiro móvel da ruína da cidade.
[24] SANTIAGO, Silviano.
Atração do mundo (políticas de Globalização e de Identidade na moderna Cultura
brasileira).
Unas Lecture, Berkeley, out/nov. 1995. Disponível em:
http://www.ufrj.br/pacc-equipesilviano.html.
A expressão é de Joaquim Nabuco e sintetiza a idéia de que “
O espírito
humano, que é um só e terrivelmente centralista, está do outro lado do
Atlântico”.
[26]
MATOS, Gregório de
. In: SILVA, José
Pereira da.
Obra poética de Gregório de
Matos:transcrição e manuscritos. Disponível no site
www.filologia.org.br/pereira/textos em 05/11/2009. (Negritos nossos)
[30]
CANDIDO, A.
Formação da literatura
brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. p. 24
[32]
CAMPOS, Haroldo de.
O Seqüestro do Barroco na Formação da
Literatura Brasileira: O caso Gregório de Mattos
.
Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989. p. 34 -35.
[33]
COUTINHO, Afrânio. Formação da Literatura Brasileira
. In:
______. Conceito de Literatura Brasileira. Petrópolis: Ed. Vozes,
1981. p. 39.
[35]
MIRANDA 1989, p. 204
[42] MATOS, Gregório de. Obra Poética. Editora Record, Rio de Janeiro, 1992. Disponível no
site:
[43] Esta construção de
Ana Miranda é uma visão do “ser brasileiro” que muito se parece com a descrita
por J. Nabuco e analisada por S. Santiago em “Atração do Mundo” (1995) op. cit.
Para Nabuco “
os americanos pertencem à América pelo sedimento novo,
flutuante do seu espírito e à Europa por suas camadas estratificadas”. Esta
dupla formação do espírito brasileiro, segundo Nabuco, possui um equilíbrio
aparente, pois “
não se pode dar o mesmo peso e valor à busca sentimental do
começo e à investigação racional da origem”. Parece, no entanto que no
romance há uma grande valorização da busca sentimental do começo e a
investigação racional serve como fundamentação desta busca.
[46]
MIRANDA, p.12. Apropriação da segunda estrofe do soneto “Triste Bahia”, no qual
segundo Antonio Dimas “pondo os olhos primeiramente na sua cidade, conhece que
os Mercadores são o primeiro móvel da ruína, em que arde pelas mercadorias
inúteis e enganosas”. DIMAS, A.
Gregório de Matos: literatura comentada.
São Paulo: Abril Educação, 1981.
[47]
MAGALHÃES JR. Raimundo.
Poesia e vida de
Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 248.
[48]
MIRANDA (1995), p. 33.
[49]
MIRANDA (1995), p. 33
[50]
BARBOSA,
op. cit
., p.63.
[51]
MIRANDA (1995), p.34
[59]MIRANDA
(1995), p. 129
[61]MAGALHÃES
JR., p. 241.
[62]MIRANDA
(1995), p. 129
[64]
MIRANDA (1995), p. 128
[67]MAGALHÃES
JR., p. 241.
[68]
MIRANDA (1995), p. 129.
[69]
MANO, Carla da Silveira.
A tradição da
negatividade na modernidade lírica brasileira. 273 p. Tese (Doutorado em
Estudos Literários) – Programa de pós-graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2006.
[70]MIRANDA
(1995), p, 132.
[72]MIRANDA
(1995), p. 213
[73]
MIRANDA (1995), p. 212.
[77]MIRANDA
(2003), p. 31
[78]PEREIRA,
Lúcia Miguel.
A vida de Gonçalves Dias.
Rio de Janeiro: José Olímpio, 1941. p. 09. A autora, aponta, em nota, o
“evidente engano do poeta”, pois desde 1812, quando foi elevada a vila, tinha
Caxias o nome atual.
[79]MIRANDA
(2003), p. 34-35.
[84]Apud
SILVA, José Norberto de Souza.
Poesias de
Gonçalves Dias. Tomo I. Rio de Janeiro: Garnier, 1963. p.6
[88]BENJAMIN apud Anderson, p. 220